quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Como a Fonética explica o Beijo

Linguística

Diante da cena romântica de dois “ficantes”, a sala esperou minha reação e um dos alunos, resolveu, então, me provocar: “ E aí, professor, o que tem a ver beijo com aula de fonética?”. E, como aceitando a provocação, respondi convicto: “Gente, parece até brincadeira, mas beijo tem mais a ver com nossa aula de fonética do que com o afeto daqueles dois”. E continuei: “Acho que o episódio de hoje é um bom exemplo para entendermos todas as consoantes do português que envolvem os lábios e a língua”. Claro, a gargalhada foi geral.

Na fonética, temos consoantes bilabiais como nas palavras pera, bola e mala em que os sons são produzidos por um falante, com os lábios unidos. Falantes de uma língua portuguesa também podem produzir sons labiodentais, como nas palavras faca e vaca, em que o lábio interior toca os dentes incisivos superiores. Temos nas palavras vaca e faca, as fricativas /v/ e /f/ que são, a rigor, monolabiais, uma vez que são os únicos sons da fala em que apenas um dos lábios é o articulador principal.

E o beijo? O que é o beijo, foneticamente e fisiologicamente, falando? Nada mais é do que o ato ou efeito de tocar, pressionando, os lábios sobre qualquer parte do corpo de uma pessoa, animal, ou sobre objeto querido ou com valor simbólico, podendo incluir também movimentos de sucção, geralmente, para demonstrar carinho e afeto.O beijo só é beijo de verdade, digamos assim, quando envolve duas bocas ou quatro lábios. Por isso, o beijo é foneticamente uma articulação quadrilabial.

Decerto, um beijo para ser dado não precisa necessariamente de lábios. A mão, por exemplo, pode ser o destino de um beijo. Nesse caso, aquele que beija faz roçar suavemente os lábios nas mãos ou no rosto em sinal de reverência, deferência, veneração. Mas ocorre, também, o beijo de língua, aquele em que se tocam as línguas das duas pessoas que se beijam. Na religião, o beijo era dado entre os primitivos cristãos em sinal de união fraterna.

Voltando à cena de beijo na sala de aula, recordo que, em um tom de humor, convidei um dos “ficantes” para vir à frente da sala. O rapaz, então, a princípio acanhado, aproximou-se de mim e os colegas, então, ficaram numa expectativa febril do que poderia acontecer. Pedi-lhe que ficasse de frente para os colegas e que deixasse seus lábios naturalmente relaxados. Ele seguiu à instrução destemido. Apontei para os lábios do aluno, inferior e superior, e disse, como numa heurística, “observem, caros alunos, que este sr. aqui, como bom representante da espécie humana, traz – apontando, sem tocar, para a boca do aluno - dois lábios, ou seja, duas partes carnudas”. Em seguida, pedi que o rapaz repetisse os movimentos feitos durante seu beijo. Ao começar a mover os lábios, fui magistral: “Vejam – ó ó ó – que estes lábios são móveis e que constituem externamente o contorno da boca”.

Um dos alunos maliciosos da “turma da bagunça”, provocou: “ Professor, e a ficante do sexo feminino não serve para ser objeto de seus exemplos, não teria outros lábios para mostrar pra gente”. Entendi perfeitamente a malícia do aluno perguntador e me saí assim, fazendo as vezes de um educador sexual: “ é verdade, pessoal, as mulheres, além dos lábios generosos situados na boca, como os do sexo masculino, possuem os grandes lábios, que são dobras cutâneas múltiplas situadas no vestíbulo da vulva da mulher e das fêmeas dos mamíferos em geral”. Pela escuta ativa, acho que naquele dia, safei-me daquele embaraço e, com tanta explicação científica, decerto, aumentei uns pontinhos no “ibope”.

Aprendi, no decorrer de mais de duas décadas de magistério, que, em sala de aula, toda provocação de aluno deve ser respondida, sempre que possível, com novos saberes. Quanto mais compreendemos nossos alunos e mais atendemos seu centro de interesse, mas somos reverenciados como mestres de experiências, ciências e saberes. Quanto mais dialogamos, mais somos amados e o magistério deixa de ser ensino e passa a ser o reino da contemplação do saber.

Vicente Martins é palestrante, professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral, Ceará. Dedica-se, entusiasticamente, ao estudo das dificuldades de aprendizagem relacionadas com a linguagem (dislexia, disgrafia e disortografia). E-mail: vicente.martins@uol.com.br

Floretes agudos e porretes grossos - de João Adolfo Hansen

especial para a Folha de São Paulo


No Antigo Regime, dizia Adorno, a sátira aparecia como o florete agudo da distinção virtuosa dos melhores. Depois de algumas revoluções, deveria aparecer como o porrete grosso dos privilégios.

Hoje, apropriações de ''Gregório de Matos'', classificação de um corpus poético colonial, ainda fazem o nome reencarnar-se retrospectivamente no seu tempo, o século 17, como um indivíduo liberal-libertino-libertário a profetizar o advento do ''Barroco'' e dos ''neo-Neo'' no retrô geral desse fim de século.

Na Bahia do século 17, a ordem era imposta, contestada, deformada e sempre reposta como padrão civilizatório em vários registros e meios materiais _entre eles, a sátira atribuída a Gregório de Matos, cuja produção e consumo incluíam-se na ''política católica'' do império português.

Como uma prática fundamentalmente integrativa, então a sátira emanava do lugar sagrado do Rei-hipóstase de Deus, ou da Trindade, Potência do Pai, Sabedoria do Filho e Amor do Espírito.

Programática, a arqueologia da ruína satírica seiscentista reconstrói tensões, conflitos e mesmo contradições dos seus usos em seu tempo porque não quer o fóssil. A diferença arruinada do passado é, justamente, a medida crítica das petrificações do presente que efetuam ''Gregório'' como desmemória política e cultural.

Como Robinet demonstra para o ''Ancien Régime'', também na Bahia seiscentista a Potência subordina as outras primordialidades, assegurando o monopólio da violência da ''razão de Estado'' em nome da prudência política do governo cristão que declara visar ao ''bem comum''. O que se faz com Sabedoria e Amor, segundo a sátira, que glosa o absoluto da ordem. Não distingue ''público'' e ''privado''; ratifica a proibição da imprensa e a censura intelectual; aplaude o Santo Ofício da Inquisição e a caça à heresia; reitera ordens-régias e bandos que determinam a destruição de quilombos, a ''guerra justa'' ou massacres de índios, as devassas de foros falsos de fidalguia, de desvios de impostos e contrabando, de sedições de soldados e da plebe, de amores freiráticos, de sexo nefando, de blasfêmia e bruxaria. Antimaquiavélica, antierasmiana, antiluterana, anticalvinista, antijudaica, absolutista, contra-reformada, define as medidas da Potência como ações prudentes, amorosas e sábias. Insiste: devem ser complementadas pelo degredo, pelos açoites, pela forca, pelo garrote vil, pelo auto-da-fé e mais castigos, exemplares, não menos prudentes, exercidos com Sabedoria pela Potência pública em nome do Amor do todo. Como se lê, em outro registro, nas ''Cartas'' e nas ''Atas'' do Senado da Câmara de Salvador, em nome do ''bem comum do corpo místico do Estado do Brasil''.

Na dilatação da Fé e do Império desse ''corpo místico'', o satírico metaforiza a analogia com que Santo Tomás de Aquino define o terceiro modo da unidade de integração das partes do corpo humano no comentário do ''Livro 5'' da ''Metafísica'', de Aristóteles. A unidade do corpo pressupõe a pluralidade dos membros e a diversidade das funções. Sua perfeição, que é ordem, resulta da sua integração harmônica como instrumentos para um princípio superior, a alma. Por analogia, o ''corpus hominis naturale'', o ''corpo natural do homem'', é o termo de comparação para o ''corpo político do Estado'', doutrinado como integração hierárquica, concórdia e paz de indivíduos e estamentos, súditos, que o compõem.

Na sátira, a autonomia é a paixão máxima que pode afetar os corpos. Nela, o ''bom uso'' político do ''cada macaco no seu galho'' reatualiza o meio-termo racional da virtude da ''Ética Nicomaquéia'', adaptando-o ao elenco completo das virtudes cristãs, como meios e fins da colonização: defesa do território, controle da população, escravismo, catequese, combate à heresia, manutenção dos privilégios, ócio dos doces negócios do açúcar e do sexo.

Assim, a virtude do satírico metaforiza o conceito de superioridade social da racionalidade de Corte absolutista. Então, a superioridade só é mantida pela submissão política e simbólica às instituições. A submissão implica uma lógica da distinção pela subordinação à vontade real, à etiqueta e ao dogma. Afirma uma sátira ao Conde da Ericeira, que se suicidou jogando-se de uma janela: ''Quem cai da graça d'El-Rei/ cai da sua desgraça''. Outra, que identifica ''sodomia'' e ''judaísmo'' pela perspectiva da instituição real: ''Mandou-vos El-Rei acaso/ a Sodoma, ou ao Brasil? Se não viveis em Judá,/ quem vos meteu a Rabi?''. Ainda segundo o padrão da racionalidade de Corte, a identidade virtuosa do satírico e a não-unidade viciosa dos satirizados são compostas como representação e por meio da representação. A virtude alega signos de ''limpeza de sangue'', catolicismo, fidalguia, liberdade, discrição e masculinidade, opondo-se às representações que pretendem a autonomia que lhe subverte a superioridade pressuposta: ''Ou por limpo, ou por branco/ fui na Bahia mofino''. Em outra: ''Alerta pardos do trato,/ a quem a soberba emborca,/ que pode ser hoje forca,/ o que ontem foi mulato''.

A posição deriva da forma da representação e, sendo figurado como parte de um conflito de representações, o satírico joga com a dupla hierarquia do seu ponto de vista. Quando afirma sua virtude e constitui o vício como obscenidade ''contra naturam'', a (des)constituição do tipo prova metaforicamente a (im)propriedade política do ''topos''. Na sátira, a tipologia semântica de virtudes e vícios é uma topologia pragmática de posições hierárquicas.

Instituição, a sátira produz a perversão como exemplaridade da regra. Para tanto, apropria-se da retórica de Quintiliano, Cícero e Aristóteles; emula a poesia de Juvenal; cantigas de escárnio e maldizer; o Cancioneiro Geral, de Resende; Camões, Suárez, Melo, Rodrigues Lobo, Gracián, Saavedra Fajardo, Quevedo, Góngora, Botero, Tesauro... Aplicando padrões coletivos e anônimos _''... é já velho em Poetas elegantes/ O cair em torpezas semelhantes''_, opera com técnicas de uma racionalidade não-psicológica, que estiliza e deforma os discursos das instituições e da murmuração informal do lugar. Sem pressupor a expressão do ''eu'', a autoria, o mercado e a originalidade, compõe o ''público'', na representação, como representação teológico-política de ''discretos'' e ''vulgares'': ''O néscio, o ignorante, o inexperto,/ Que não elege o bom, nem mau reprova,/ Por tudo passa deslumbrado, e incerto''.

Suas deformações obscenas são reguladas pelos dois estilos do gênero cômico: o ridículo, adequado aos vícios fracos, e a maledicência, própria dos nocivos: ''Tudo, o que aqui vos digo,/ ora é zombando, ora rindo'', diz o personagem satírico. Em ''Gregório'', domina a variante maledicente: ''zombando''. No caso, o satírico é um tipo virtuoso e indignado contra a corrupção do seu mundo, conforme uma afetação retórica de indignação. Como na sátira de Juvenal, que imita, afirma que está às avessas e que sua indignação também é caótica, como se a fala fosse expressão informal de sua ira. A sátira, contudo, é uma arte do insulto que finge não seguir nenhuma arte: suas paixões são naturais, mas não são informais. A irracionalidade da indignação é construída racionalmente e sua obscenidade pressupõe, como dizia Klossowski sobre Sade, as normas que a tornam visível e emolduram. Na poesia católica chamada ''Gregório'', o obsceno é alegoria do pecado mortal, a infração hierárquica, que corrompe a unidade do ''bem comum''. A anatomia horrorosa de vícios, com que compõe tipos vulgares, não é subversiva ou transgressora da ordem. Também na vituperação dos ''melhores'', o desbocado do ''Boca do Inferno'' encontra a realidade não na empiria, mas nas convenções hierárquicas da recepção contemporânea, pautadas pela concordância quanto à imagem caricatural que elabora, enquanto mantém em circulação os estereótipos de pessoas, grupos e situações.

A sátira não é iluminista. Concebe o tempo qualitativamente, como análogo do divino. Quando dramatiza os discursos do ''corpo místico'', perspectiva-os pelo dogma da ''luz natural da Graça inata''. Seu estilo misto formaliza a percepção do destinatário como participação da visão física e espiritual na Luz refletida nas agudezas obscenas. Não tem autonomia estética. A visão é ordenada retoricamente por uma proporção óptica, que compõe o ''ponto fixo'' do juízo que avalia os efeitos. Quase sempre, são quiasmas _''amizades de um Visconde, favores de um Conde vis''; ''Senhora Dona Bahia, nobre e opulenta cidade,/ madrasta dos Naturais,/ e dos Estrangeiros madre''_, uma alegoria, cuja agudeza engenhosa lembra uma anamorfose. O ''pli'' deleuziano é, no caso, não a ilimitação do ornamental pós-moderno, mas a representação cenográfica da participação divina, que captura todas as suas espécies de efeitos na Unidade efetuada como pressuposto. Entre eles, o juízo agudo do satírico que produz a anamorfose.

As gracinhas de ''Gregório'' não conhecem o nosso psicologismo positivista. Muito menos, a negatividade da crítica iluminista, que acabou de debandar pós-utópica na revoada tucana. Seu etnocentrismo é de outra ordem: funde conceitos de estilo alto e baixo no misto deformado e satura-os com a unidade metafísico-política do absolutismo porque critica abusos repondo o bom uso. É ''theatrum sacrum'', nome que os jesuítas do tempo davam à representação em geral. Na interlocução das representações, o satírico é o ''discreto'' agudo e racional que aparenta as virtudes heróicas do perfeito cavaleiro cristão, o engenho e a prudência. Representação, sua identidade é ficção, estilo de aplicar estilos, efetuando e afetando aparências. Nelas, tipos e categorias sociais _''negro", "pardo", "índio", "cristão novo", "judeu", "comerciante", "mulato", "ourives", "puta", "sodomita"_ são a principal matéria satírica, porque identificados a vulgares viciosos. Vulgares porque doutrinados como naturalmente baixos, sem discrição; vulgares porque não sabem o seu lugar; vulgares porque pecam contra a natureza; vulgares porque se apropriam da convenção do "discreto" para com ela obter distinção e impor a classificação negativa a concorrentes. Segundo tópicas do mundo às avessas, a sátira reitera a natureza imutável do poder gravado nos corpos: ''Desejo que todos amem,/ seja pobre ou seja rico,/ e se contentem com a sorte/ que têm, ou que estão possuindo''.

João Adolfo Hansen é professor de literatura brasileira na USP, autor, entre outros, de ''A Sátira e o Engenho - Gregório de Matos e a Bahia do Século 17'' (Companhia das Letras/Secretaria de Estado da Cultura).

(in Folha de São Paulo, 20.10.96,caderno Mais!)

Ao invés de ou Em vez de????

Muita dúvida surge no emprego de “ao invés”, “invés” ou “em vez de” e é comum, uma vez que são muito semelhantes na grafia e também no significado.

Primeiramente, o termo “invés” é substantivo e variante de “inverso” e significa “lado oposto”, “avesso". Na expressão “ao invés”, o substantivo “invés” continua com o mesmo significado, contudo, é utilizada para indicar oposição a algo ou alguma coisa e, portanto, significa “ao contrário de”. Geralmente vem acompanhada da preposição “de”.

Observe:

A empresa de cobrança ao invés de enviar o boleto, optou pelo débito em conta.

Ao invés de protestar seu nome, conceder-lhe-ei uma nova chance.

O termo “invés” é substantivo e variante de “inverso” e significa “lado oposto”, “avesso".

Já a expressão “em vez de” é mais empregada com o significado de “em lugar de”, porém, pode significar “ao invés de”, “ao contrário de”. Observe:

A menina assistiu à TV em vez de filme. ( não poderá ser usado “ao invés de”, pois não há oposição de termos).

A professora, em vez de diminuir a nota do aluno, aumentou-a (a expressão “em vez de” poderia ser substituída por “ao invés de”, pois temos termos contrários “diminuir” e “aumentou”).

Se “em vez de” pode significar “ao invés de”, como poderemos identificar o emprego de ambas as expressões?

A expressão de “em vez de” pode ser empregada em múltiplas circunstâncias, desde que seus significados sejam mantidos. Já “ao invés de” poderá ser aplicada somente quando há termos que indicam oposição na frase, significando “ao inverso de”.

Por Sabrina Vilarinho
Graduada em Letras
Equipe Brasil Escola